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Territorialidade e o Fazer Cinema para além de Upaon-Açu

“Mostra Ilha em Edição 2” que reúne filmes produzidos por jovens do Quilombo Urbano Liberdade e do Território Maracanã será exibida amanhã (27), a partir das 16h, no Departamento de Assuntos Culturais da UFMA – DAC

No mês de abril com o mote: “É Luz, Câmera, Som, Bumba meu Boi e a Ilha em Edição”, teve início a segunda edição do projeto Ilha em Edição. Com foco de atuação no Quilombo Urbano Liberdade e no Maracanã, zona rural de São Luís, a iniciativa inovadora realizada pelo Instituto Formação, com patrocínio da Equatorial, via Lei Estadual de Incentivo à Cultura/Secma, uniu a juventude de quatro grupos de Bumba meu Boi (Boi da Floresta, Boi de Leonardo, Boi da Fé em Deus e Boi de Maracanã) e jovens e adultos moradores destes dois potentes Territórios entorno da arte do cinema.

Os integrantes do projeto participaram de um ou mais cursos entre os dez ofertados na área audiovisual: Roteiro; Produção; Direção; Direção de Arte; Direção de Fotografia; Cinema de Animação; Interpretação e Preparação de Atores para Cinema; Documentário Musical; Som Direto no Audiovisual e Edição.

A partir dos conhecimentos dos cursos integrados foram montadas as equipes para a produção de dois curtas-metragens de ficção, um curta-metragem documentário musical e um curta-metragem de animação. Amanhã eles irão assistir junto os filmes produzidos.

Giselle Bossard, oficial de projetos do Instituto Formação e coordenadora geral do Ilha em Edição, destaca que o Ilha em Edição é bem mais que um projeto de formação de jovens entre 16 e 30 anos (e nesta edição também contemplando adultos) na área audiovisual. De caráter coletivo e agregador, a iniciativa  é uma porta de ingresso ao mercado de trabalho audiovisual no estado e para além dele.

“Na primeira edição do projeto, alguns jovens nem bem concluíram os cursos e já estavam atuando no setor audiovisual como atores, assinando a fotografia, som direto, entre outras funções. Nesta edição não vem sendo diferente. Alguns deles são egressos da Escola de Cinema do Maranhão – IEMA e já se conheciam, mas outros não tinham nenhuma experiência, porém logo se integraram a turma jovem que produz audiovisual e vêm também participando dos mais diversos cursos na área de cinema ofertados no estado. Tivemos jovens contratados por agência de publicidade ou freelancers; e trabalhando em  festivais e mostras de cinema como o Maranhão na Tela e Quelly – Mostra Internacional de Cinema de Gênero e Sexualidade. Alguns dos jovens também já estão empregados ou estagiando na área de Incubadora de Mídias do Instituto Formação, compartilha Giselle.

O projeto prevê ainda um Núcleo Popular Audiovisual em que os jovens egressos do Ilha em Edição terão disponíveis todos os equipamentos profissionais de som e vídeo adquiridos para a produção de seus filmes autorais ou coletivos. Boa parte deles já vem organizando, inclusive, seus projetos para as Leis de Incentivo como a Paulo Gustavo e Aldir Blanc.

Para o executivo de comunicação da Equatorial Maranhão, Carlos Hubert, o projeto Ilha em Edição é inovador e traz um grande diferencial que é o trabalho direcionado para os grupos de bumba meu boi. “Quando pensamos na profissionalização de jovens que estão nos grupos de bumba meu boi, estamos pensando na continuidade do patrimônio cultural do Maranhão. Unimos duas importantes vertentes que é o audiovisual e a maior manifestação popular do nosso Estado. É oportunidade de profissionalização, mas também de mostrar a beleza dos grupos, que podem ser excelentes laboratórios, gerando resultados incríveis. Para nós da Equatorial é muito gratificante poder proporcionar esse momento a essas comunidades”, considera Hubert.

Mostra Ilha em Edição: Bumba-Boi, Fé, Territorialidade, Ancestralidade e Aceitação

O processo de produção dos filmes parte das ideias originais dos jovens e demais participantes do projeto que a partir das realidades vivenciadas produzem os argumentos e roteiros. Cinco produções compõem a Mostra e transitam pelo universo do Bumba meu Boi trazendo temas como o amor entre a juventude LGBTQI+; juventude e ancestralidade; devoção e fé; e a importância da cultura popular, especialmente dos mestres e mestras, na construção de cidadania de crianças, adolescentes e jovens em seus territórios.

O documentário musical “Nosso Terreiro” foi produzido por uma turma mista, formada por jovens dos dois territórios (Maracanã e Quilombo Urbano Liberdade), adultos e idosos que se inscreveram para participar do curso Documentário Musical, com a diretora carioca Ana Rieper. O curta foi todo filmado no Maracanã durante o batizado do Boi de Maracanã e dia de São João. Com a temática Bumba-Boi, música e fé, o filme apresenta o terreiro de Maracanã, caboclos e encantados brincantes em festa comemorando o dia de São João. O caboclo de pena e sua dança, e o cantador e suas toadas reverenciam as forças da natureza que abençoam a brincadeira. As vivências desses dois jovens nos apresentam as nuances de seu sincretismo religioso.

O curta de ficção “Mar.Ina”, produzido no Quilombo Urbano Liberdade, é uma paródia-crítica da pequena sereia, vivida por uma menina trans. Marina, que é cazumba, personagem do bumba-boi que também é de entremundos. Um menino da percussão, Nicolas, observa Marina dançando e se interessa. Pega de surpresa, Marina foge sem revelar sua identidade. No outro dia, eles se cruzam, mas Nicolas pensa que a cazumba é outra menina, uma cis. Marina começa a se questionar sobre sua imagem de trans não binária e, como a pequena sereia, “muda de forma”. Suas amigues e seu cazumba (seu alterego) a ajudam a reencontrar suas essências. O filme é dedicado ao Mestre Abel Teixeira, fazedor de caretas e Cazumba do Boi da Floresta, recém falecido.

“Matraquinha”, o curta de animação, também produzido pelo núcleo do Quilombo Liberdade, apresenta a criança e o bumba meu boi, e como a cultura popular abraça a infância, é aquela mão estendida, amiga, que apresenta novos caminhos e oportunidades. A animação é uma homenagem aos três grupos de bumba-boi daquele território (Boi da Floresta, Boi de Leonardo e Boi da Fé em Deus) e uma homenagem às suas presidentes: Nadir Cruz, Regina Avelar e Ana Keyla Ribeiro. O curta foi selecionado para a mostra de fimes produzidos por crianças e adolescentes do Festival do Rio. Matraquinha contou com a participação de dois estudantes pré-adolescentes da rede pública de São José de Ribamar.

Já o curta-metragem Formação Roots foi produzido a partir de uma atividade prática do curso de Edição, produzido pelos jovens do Território Maracanã e editado por eles e a turma do Quilombo Liberdade. O filme acompanhou as comemorações do dia internacional do Reggae no Maranhão.

Uma quinta produção ainda será rodada com os participantes do IFMA-Maracanã, que ingressaram posteriormente aos cursos no território. Ela também é inspirada na realidade de dois jovens brincantes de bumba-boi.

Caíque Carlos, protagonista do filme Mar. Ina e também coautor do roteiro, soube do projeto e não perdeu a oportunidade participar. Natural de Coroatá, ela interpreta uma jovem trans gênero Cazumba de bumba meu boi. Estudante de Artes Cênicas na Universidade Federal do Maranhão – UFMA, Caíque participou do curso de Intepretação e Preparação de Ator para Cinema ministrado pelo ator e professor Al Danúzio.

“É extremamente profundo para mim falar sobre esse processo, porque, desde que conheci o Ilha em Edição eu comecei a ganhar forma e explorar coisas que de alguma forma já existiam dentro de mim (também explorar e ocupar os espaços da cidade, da comunidade) escrevo assim, também, me referindo ao local da Universidade que me trouxe até o projeto. O cinema, o teatro e a arte em geral sempre me encantaram, a criança que nutri dentro de mim sempre esteve conectada com o contemplativo e obras que nos rebatem e criam questionamentos, e acima de tudo, conforto. A narrativa que propomos com Mar.Ina em prol da identidade Trans/não-binária em contraste com o Bumba Meu Boi é extremamente rica. Parte de meu local de fala que vem em construção desde que me entendo como um corpo de possibilidades, e acima de tudo um corpo humano (que infelizmente é desumanizado/marginalizado). Nesse processo falamos de retratos, pinturas, reencontros, desencontros, abraçar partes de nós, brincadeira, cultura e caminhos para “liberdade”.  Marina faz eu enxergar a beleza que existe dentro de mim, e que existe dentro de nós, e como eu espero que quem assista sinta-se da mesma forma. Assim, Marina surge da criança que fomos, da pessoa que crescemos e maturamos, e acima de tudo cresce da voz daqueles que se reconhece como identidades, em várias expressões de gênero, do lugar do questionar, da magia, do boi, cazumba. Não creio que devemos ter respostas exatas para tudo na vida, mas acredito fielmente nos caminhos e possibilidades que podemos encontrar ou que chegam até nós.”, narra Caíque, a mistura entre ficção e realidade que propôs, conectada com sua própria vida.

Após a circulação nos territórios, os filmes irão seguir carreira participando de festivais locais, no Brasil e no exterior. Eles também serão disponibilizados na TV Formação, Canal do Instituto Formação no YouTube.

O Instituto Formação e a Equatorial Maranhão promoveram ainda como atividade extra projeto, o concurso “Curta Essa Energia!”, em que foram premiados com aparelhos celulares de última geração, os autores de dois curtas sobre energia. Os jovens participantes do concurso e outros egressos do Ilha em Edição também tiveram como prêmio um curso de Piloto de Drone.

Serviço

O quê: Lançamento da Mostra Ilha em Edição 2  e cerimônia de encerramento do projeto.

Quando: 27/09 (quarta), a partir das 15h, com Mostra de Filmes de 16h às 18h.

Onde: Departamento de Assuntos Culturais – DAC/UFMA (Palacete Gentil Braga) – Rua do Passeio, Nº 56 – Centro. Entrada pela Rua Grande.

Contato: (98) 9111 8979 – Giselle Bossard/(98) 98506 – 4839 -Thiago Amorim.